O Dia das Crianças no Brasil é hoje uma das datas mais simbólicas — e lucrativas — do calendário nacional. Mas o que muita gente não sabe é que sua história começa quase esquecida, há cem anos, e só ganhou vida graças a uma jogada brilhante (ou ardilosa) do marketing brasileiro. Vamos do decreto à prateleira.
A criação oficial em 1924
A primeira faísca surgiu em 1923, quando o Brasil sediou o 3º Congresso Sul-Americano da Criança, evento que colocou a infância no centro das discussões públicas. No ano seguinte, o deputado federal Galdino do Valle Filho propôs a criação de um dia nacional dedicado às crianças — ideia que rapidamente ganhou força no Congresso.
Em 5 de novembro de 1924, o então presidente Artur Bernardes sancionou o Decreto nº 4.867, que dizia em seu artigo único:
> “Fica instituído o dia 12 de outubro para ter lugar, em todo o território nacional, a festa da criança.”
Assim nasceu oficialmente o Dia das Crianças no Brasil. Porém, por décadas, a data ficou restrita aos calendários cívicos, sem grande celebração pública. Era, literalmente, um feriado esquecido.
Um decreto esquecido por 30 anos
Entre 1924 e o início da década de 1950, o 12 de outubro raramente aparecia em jornais ou comemorações. As escolas, às vezes, faziam atividades simbólicas, mas o comércio ignorava completamente a data. O país vivia outras prioridades: crises políticas, industrialização, e depois a reconstrução pós-Segunda Guerra.
Mas tudo mudaria quando duas empresas decidiram dar um novo sentido à efeméride: Estrela, a tradicional fábrica brasileira de brinquedos fundada em 1937, e a multinacional Johnson & Johnson.
A virada comercial: Estrela e Johnson & Johnson
Por volta de 1955, ambas lançaram uma campanha conjunta chamada “Semana do Bebê Robusto”, com um objetivo claro: impulsionar as vendas de produtos infantis. A data escolhida? O mesmo 12 de outubro já existente por decreto.
O slogan e a estratégia eram diretos — associar o dia à ideia de “criança feliz com presente novo”. Assim, a antiga “festa da criança” virou o “dia de dar brinquedos”.
A ação publicitária foi um sucesso. As lojas aderiram, os jornais divulgaram e, pouco a pouco, o público abraçou a nova tradição. O que era apenas uma data oficial passou a ser um evento de consumo nacional.
A Estrela percebeu o poder disso e, nas décadas seguintes, consolidou sua presença com campanhas icônicas. Propagandas dos anos 1970 e 1980 exibiam o slogan “Toda criança tem uma Estrela dentro do coração”, reforçando emocionalmente o vínculo entre infância e brinquedos.
O marketing transforma o significado
O que começou como um decreto cívico se tornou uma das datas comerciais mais fortes do Brasil. Em termos de faturamento, o Dia das Crianças compete hoje com o Natal e o Dia das Mães, movimentando bilhões de reais em brinquedos, roupas, eletrônicos e até viagens.
Essa metamorfose cultural mostra como o marketing é capaz de reconfigurar significados sociais. O propósito original — celebrar a infância — sobrevive, mas agora entrelaçado com um forte apelo comercial.
A Estrela, nesse sentido, não “inventou” o dia, mas ressuscitou-o, transformando um texto de decreto em um evento vivo na cultura brasileira.
O legado do Dia das Crianças
Cem anos depois, o Dia das Crianças no Brasil é mais do que uma data de vendas: é uma celebração de memória afetiva. Pais e filhos, gerações inteiras, cresceram com brinquedos da Estrela, com comerciais marcantes na TV e com a expectativa de ganhar um presente no dia 12 de outubro.
Por trás de tudo isso, permanece uma ironia curiosa: um ato político de 1924, quase esquecido, encontrou sua relevância real não nos livros de leis, mas nas prateleiras coloridas de brinquedos.
Fontes deste artigo:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4867-5-novembro-1924-566474-norma-pl.html
https://brasilescola.uol.com.br/dia-das-criancas/a-origem-dia-das-criancas.htm
https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrela_%28empresa%29
https://www.terra.com.br/noticias/educacao/campanha-de-brinquedos-da-origem-a-dia-das-criancas-nacional,20081abe65e2d310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
